Wilson da Costa Bueno*
A literatura em Comunicação Empresarial tem, ao longo do tempo, incluído conceitos novos ou reformado outros que, pelo seu uso (ou abuso), mais confundem do que esclarecem.
Os conceitos de comunicação integrada, responsabilidade social, comunicação estratégia e mais recentemente o de sustentabilidade, por exemplo, freqüentam com desenvoltura o discurso empresarial, ainda que seja difícil encontrá-los em seu sentido pleno, por falta de refinamento de quem os usa ou mesmo por má fé daqueles que insistem em avacalhá-los.
Os conceitos de imagem, reputação e identidade sofrem do mesmo processo de esvaziamento, certamente porque utilizados às escancaras, em qualquer situação e mesmo como sinônimos, acabam não significando coisa alguma.
Talvez seja o momento de definirmos alguns parâmetros para identificá-los, e ainda que sem a precisão adequada (talvez fosse mesmo necessário um espaço e tempo maior para isso), estarmos pelo menos empenhados em separar o joio do trigo.
De imediato, é preciso dizer que uma organização não tem apenas uma imagem, mas imagens, em função das leituras que distintos públicos de interesse fazem dela. É fácil observar isso: a Souza Cruz é percebida distintamente pelos investidores, pelos produtores de fumo e pelos profissionais comprometidos com a saúde. Ela pode ser vista tanto como uma empresa que dá lucros (muitos investidores têm apenas cofrinhos no cérebro, não neurônios) como uma organização que vende drogas lícitas (existem drogas lícitas ou essa é mais uma hipocrisia empresarial?). A Petrobrás pode ser vista como empresa de excelência para os adeptos da tecnologia (ela realmente é competente nisso!) ou para os investidores (como dá lucro num mundo com o preço do petróleo nas alturas!), mas sua imagem não é lá muito cor-de-rosa para os comprometidos com a sustentabilidade (alguém acredita de verdade nos prêmios de balanço social, além dos seus vencedores ou daqueles que almejam conquistar um selo ambiental para limpar a imagem?). A gente continua respirando e morrendo com o teor de enxofre do diesel que a Petrobrás distribui, poluindo o ar das grandes metrópoles. Talvez esteja mesmo mais empenhada em receber prêmios do que em tornar o nosso ar mais respirável.
A imagem, portanto, ou as imagens (para sermos mais exatos) de uma organização são percepções que estão na cabeça dos públicos ou das pessoas individualmente, formadas pelo contato direto ou não com essa organização (temos imagens para organizações com as quais nunca tomamos contato direto como , por exemplo, o Pentágono, reino dos falcões da guerra).
A reputação também é um conceito, uma avaliação, que, como a imagem, decorre das percepções dos públicos e das pessoas individualmente mas, diferentemente da imagem, ela é menos fluída, é construída num prazo maior de tempo, tem maior consistência e intensidade. A maioria das organizações tem imagens, mas poucas chegam a ter uma reputação, porque essa é resultado de um processo mais demorado de interação. A gente pode dizer que a imagem é como algo que se sente na pele e a reputação como algo que se sente na alma.
A identidade encerra, porém, outra perspectiva. Ela é a somatória de esforços, produtos, significados, valores, marcas etc, construídos ou produzidos por uma organização. Podemos falar na identidade visual, por exemplo, que incorpora as formas pelas quais a organização se torna visível, "legível" no mercado e na sociedade (embalagens, logos, fachadas, papelaria), e que é um dos componentes da identidade de uma organização. A identidade inclui também a missão e a visão da organização, sua capacidade de inovação, seu talento humano (capital intelectual) e assim por diante.
A organização empenha-se para construir, formar sua identidade (como ela quer ser vista, percebida etc), mas necessariamente não há sempre (que pena para algumas organizações) relação direta entre a sua identidade e a sua imagem (ou imagens ) e reputação.
Algumas empresas querem parecer sustentáveis, socialmente responsáveis etc, mas , apesar do investimento que fazem neste sentido, pouco conseguem porque não há correspondência entre a sua identidade (que é afinal de contas o seu "discurso") e a realidade. Alguém, em sã consciência, acredita que os transgênicos da Monsanto vão acabar com a fome do mundo? Alguém imagina que, apesar do discurso que associa transgênicos com menor uso de agrotóxicos, a empresa esteja mesmo interessada em vender menos "round-up", glifosato ou outro veneno qualquer? Alguém consegue perceber sustentabilidade na indústria tabagista que mata milhões de pessoas por ano em todo o mundo?
Não há verba publicitária (e como gastam dinheiro as empresas predadoras!) que consiga "limpar" a imagem de muitas organizações, e, apesar dos lobbies, das pressões, dos releases, das perseguições a jornalistas e pesquisadores (olho vivo na Big Pharma também que adota a mesma estratégia!), das pesquisas que identificam certas empresas como referências em sustentabilidade, as suas imagem e reputação continuam sujinhas como sempre estiveram.
Os comunicadores não podem confundir os conceitos. Devem, pelo contrário, estar atentos aos esforços de divulgação de determinadas agências/assessorias que insistem em proclamar seus clientes como social e ambientalmente responsáveis. Felizmente, temos ainda a liberdade de criar imagens e, juntos, coletivamente, de formarmos reputações. Com isso, resistimos a tentativas recorrentes de manipulação e resguardamos o nosso espírito crítico.
No fundo, as organizações têm a imagem e a reputação que merecem. Há, certas coisas, como diz a campanha de um cartão de crédito, que não podem ser compradas. A web, felizmente, nos têm brindado, cada vez mais, com vozes múltiplas e dinheiro algum consegue impedir que elas se manifestem. As monoculturas da mente, se depender dos que ainda têm disposição para pensar e coragem para dizer e agir, acabarão perdendo esta batalha. É mais fácil produzir sementes do que mentes transgênicas.
Em tempo 1: o lobby das bebidas, integrado por parlamentares (milhões de doações para campanhas), gente dos governos, anunciantes, mídia e agências, conseguiu novamente impedir que se regule a propaganda de bebidas. É triste, mas esta é a realidade: o que interessa mesmo para todos eles é o dinheiro que desce redondo e enche os bolsos de todo mundo. Violência e desavenças na família e na sociedade, delinqüência, mortes no trânsito, associação do consumo de bebidas com drogas, redução da produtividade no trabalho não interessam. A bancada cínica do pileque, integrada por todos eles, ainda quer nos convencer de que ela defende a liberdade de expre$$ão. Mentem sem moderação.
Em tempo 2: Parece que os buracos do metrô são mais em cima.
Em tempo 3: E se for verdade a denúncia de que há laboratórios por trás da pressão sobre prefeituras e governos para a distribuição grátis de medicamentos? Só faltava aquele laboratório que andou envolvido no escândalo da BioAmazônia (aquela tentativa de assalto à biodiversidade brasileira) estar também nessa confusão. Mas tudo será apurado, não temos dúvida, e acabará como sempre em pizza. Um engov antes e outro depois resolvem tudo. Podem se empaturrar à verdade. A casa é da Mãe Joana.
Em tempo 4: O BNDES vai mesmo emprestar bilhões de reais para as montadoras dobrarem a produção de carros em 5 anos? Podia emprestar também para a Petrobrás reduzir o enxofre no diesel, para o Kassab desafogar o trânsito em São Paulo e para o Serra construir hospitais especializados para os males causados pela poluição do ar. Isto é que é sustentabilidade porreta!
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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor
do programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto
Comunicação e Pesquisa.